Autor: Carlos Delano
Rebouças
Muito feliz fiquei
naquela noite de domingo, véspera do reinício das aulas, ao ganhar de meus pais
a tão sonhada lancheira escolar, embora já estivéssemos aguardando o primeiro
dia de aula após as férias de julho. Foi a primeira lancheira que possuía na
minha vida. Nunca, ao longo dos meus 11 anos de idade e já no 5º ano do ensino
fundamental, imaginava ganhar um presente tão sonhado e ao mesmo tempo tão
tardio, pois essa fase já se passara e meus pais sequer sabiam.
Depois de um rápido
banho, daqueles que não molham o corpo inteiro, sentei-me á mesa para tomar o
café da manhã com meus pais e meu irmão Lucas. Luquinhas, como era tratado por
todos, ainda não iniciara a sua vida escolar, apesar de já ter idade de
pré-escolar.
A expectativa era grande
em saber o que minha amada mãe colocou naquela lancheira estreante na minha
vida, pois nem podia imaginar, pois já estava preparada antes mesmo da mesa ser
posta para o nosso café da manhã tradicional, daqueles que não se ver mais
acontecer nos lares brasileiros. Minha mãe sabia que minha curiosidade seria
tamanha e tratou de preparar meu lanche antes mesmo do meu despertar.
Embora curioso, não busquei
em momento algum saber o que tinha naquela lancheira. Certamente minha mãe não
poderia gostar de ser indagada sobre o cardápio do dia, mas de onde tirei essa
conclusão, diante de uma situação tão comum? Por que minha obstinada mãe
hesitaria em me dizer o que levava para escola como lanche? Por que entender
que se trataria de uma informação confidencial a se ter no intervalo de aula,
pois, ao deixar a minha casa a caminho da escola, poderia abrir a lancheira e
saber o que tinha no seu interior?
Preferi resguardar o
mistério, pois eu, o mais curioso e interessado em saber, disse a mim mesmo,
naquela longa caminhada até a escola, que me seguraria até o toque do
intervalo.
Chegando à escola, logo
aquela lancheira pendurada em meu obro pela sua alça chamou atenção de todos.
Inevitavelmente, vi olhares de espanto misturados com risos debochados, como se
perguntassem: “Por que veio de lancheira, se não estás mais no jardim da infância”?
Atitudes de colegas que se repetiram por todos até a hora do recreio.
Ao toque da sirene que
anunciava o recreio e em meio a tanta correria, fiquei esperando a sala se
esvaziar. Queria, sem expectador nenhum a testemunhar, desbravar aquela
lancheira que esperei 11 anos para ser dono de uma. Queria ter o prazer de
dizer que um dia a possuí, mesmo sabendo que por ela fui vítima de “bullyng”,
mas que não me importou tanto assim. O que mais me importava era saber o que
tinha de lanche dentro daquela lancheira e nada mais.
Vagarosamente e com as
mãos trêmulas e suadas, abri a lancheira como se fosse um apresentador abrindo
um envelope anunciando o vencedor de um concurso de calouros. Olhos arregalados
e olfato ativado, prontos, para a grande descoberta. Aberta a lancheira, vi que
tinha dois recipientes dentro, um para líquido e outro para sólido. Pensei: “deve
ser um suco de acerola, daquelas do nosso quintal e um sanduíche de ovo de
galinha matriz”. Esse era o lanche de sempre que fazíamos na nossa casa e mais
do que esperado ser o que tinha naquela misteriosa lancheira.
Sem perder mais tempo, já
que o recreio estava prestes a terminar, abri o recipiente liquido e para a
minha surpresa, era refrigerante. Lágrimas escorriam de felicidade em meu
rosto, pois era aquela bebida que há tempos não tomava. Na última vez, foi no
aniversário de meu irmão Luquinhas, e já se passavam 02 anos antes de mudarmos
para a comunidade da Ribeirinha, onde energia elétrica ainda não tinha chegado.
Não tínhamos como conservar refrigerante em geladeira, pois não a possuíamos.
Porém, naquele dia, mesmo em sua condição natural, minha mãe pôs na minha
lancheira.
Faltava saber qual seria
o alimento sólido, que desconfiava ser um sanduíche de ovo. O cheiro era
maravilhoso e não dava indícios de imaginar o que seria, embora existisse a
possibilidade de ser, pois meu olfato parecia predestinado a identificar
somente alimentos preparados com ovos. Sem perder tempo, ao abrir aquele saco
de plástico que o embrulhava, tendo ainda um papel laminado que o envolvia, não
tive como conter a minha felicidade. Um largo sorriso estampou-se no meu rosto,
ao ver o que minha mãe tinha preparado para mim. Vi que se tratava de um belo
sanduíche de ovo, acompanhado de um bilhetinho que dizia:
“Meu filho, bom retorno
às aulas; que continue a ser esse filho estudioso, educado, humilde e, acima de
tudo, compreensivo; que sempre entendeu as nossas condições financeiras e
compreende que tudo é feito com muito esforço. Aproveite muito bem essa sua
lancheira e o que preparei para você, sempre na fé que Deus irá abençoar nossas
vidas e podermos preparar sempre o seu lanche diário, independente de seu
cardápio. Bom apetite!”.
Não tive como conter minhas lágrimas. Foi o
melhor presente que recebi em toda a minha vida. Nunca um segredo teve tanto
prazer em ser desvendado e jamais causou tanta felicidade, quanto os contidos
na minha lancheira. Pude, além de descobrir o cardápio do lanche do dia, ratificar
ainda mais a mãe e a família maravilhosa que Deus tinha me presenteado. Existe
presente maior?
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