Autor Carlos Delano Rebouças
Se
existe uma coisa que Dona Inácia adora mais que tudo, porém abaixo de Deus e
nosso Senhor Jesus Cristo, é café. Desde a infância, desenvolveu-se um prazer
pela bebida de forma incontrolável, muito, em decorrência de tantas dificuldades
vividas, em que a bebida veio a substituir o leite que secara no peito de sua
mãe.
Certa
vez, nas suas caminhadas diárias pelo bairro onde mora, na distante e pacata
Vila dos Prazeres, avistou um carro grande e imponente, daqueles que não
costumava ver no lugarejo fora de períodos eleitorais. Como tinha como
costume caminhar pela rua, evitando as calçadas estreitas, já que temia
tropeçar ou escorregar nas suas irregularidades, avistando aquele veículo se
aproximando em alta velocidade e para escapar de um atropelamento, saltou para
a calçada de uma das casas da rua. O carro passou e alta velocidade levantando
poeira de um mês de muita ventania e escasso de chuva para baixá-la.
Depois
de um longo suspiro de alívio, disse: “Chegar aos 87 anos escapando de tantas
doenças, fome e miséria, e sobrevivendo com essa mísera aposentadoria, e morrer
atropelada por um carro forasteiro, seria o fim da picada para esta velha que
acredita que ainda terá muitos anos pela frente. Depois dessa, só caminharei
pela calçada, pois somente assim me verei menos segura”.
Sem
dar muitos passos adiante depois daquele susto, sentiu inesperadamente adentrar
em seu nariz o suave cheiro daquela bebida que tanto apreciava. Parecia lhe
fazer flutuar, entorpecendo-o de prazer, levando-a a se esquecer, totalmente,
daquele imenso susto passado há poucos instantes. Nada mais lhe interessava,
senão saber de onde vinha aquele aroma convidativo de café.
Com
um olhar investigativo, percebeu que vinha da casa em cuja calçada
encontrava-se estacionada. Procurava uma porta ou janela aberta, ou uma brecha
sequer nas suas venezianas, que lhe permitissem ser ouvida. Não podia gritar,
mas chamava pelos seus moradores de forma discreta, já que cinco da manhã tratava-se
de um horário no qual a cidade inteira ainda dormia. Mas naquela casa não,
alguém parecia exceção e já despertado, preparava seu tradicional café da manhã.
Discretamente
bateu à porta; Insistia em chamar ao mesmo tempo em que apreciava o aroma dos
deuses, com assim definia para os mais próximos. Impaciente, falava a si mesma
que precisa pelo menos de um gole daquilo que lhe parecia uma droga. Acreditava
que ia ser ouvida, e em seguida, convidada a entrar, ou pelos menos, ser-lhe oferecida
uma xícara sequer, para depois seguir seu caminho.
Nada
disso aconteceu. Seu apelo não foi atendido. Sem demora, aquele cheiro delicioso
de café perdeu-se com o vento, e com sua voz já cansada de chamar por quem não
lhe parecia querer atender, desistiu diante de uma profunda desilusão. Teve de
se contentar, somente, com o cheiro do café que lhe invadiu as narinas, rumo à
sua consciência. Mas, como o brasileiro costuma enxergar o lado bom das
situações desagradáveis passadas, acreditava que dos males o menor e que fique pelo
menos marcado na sua memória o alívio de ter escapado daquele quase inevitável
atropelamento.
Dona
Inácia seguiu seu caminho, agora, não mais pelas ruas, mas sim, pelas suas estreitas
e irregulares calçadas, na certeza de que está um pouco mais segura e na esperança
de que um dia alguém lhe permita bem mais que somente o cheiro de um café.
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