Por Carlos Delano Rebouças
A rua é de todos! Assim é o
grito de quem a escolhe para viver e se intitula seu legítimo morador. Nela,
poucos são vistos como mocinhos; muitos, antagonistas de uma história de
horror.
Um dia parei para observar
como vivem. Juro que busquei entender escolhas e caminhos seguidos por muitos
que até um dia desses tinham casa e família estabelecida. Confesso que tentei
encontrar respostas para tanto sofrimento e tantas privações, quando se
contentam com tão pouco.
A felicidade se estampa no
rosto numa singela sopa recebida. Um cobertor ou touca usada, ou uma simples
meia que não serve para alguém, significa muito para quem tem tão pouco e cara
de ninguém. O frio castiga e mata. Quantos morrem sem saber. Dormem num
inevitável sono de uma noite indesejada, e desprotegidos, não veem o sol raiar
de um novo dia que se poderia se anunciar. O frio rouba vidas, assim como os
próprios moradores de rua esperam o sono chegar daqueles vizinhos que deve
dormir sempre com um dos olhos abertos, pela defesa do pouco que tem.
E o que seria deles se não
fossem as almas generosas, pessoas que voluntariamente saem na madrugada
alimentando, agasalhando e estendendo sua mãe e abrindo seus corações, para
minimizar o sofrimento de tantos vistos com escórias de uma sociedade que
recrimina?
Ainda bem que no mundo
existem espécies raras de pessoas que têm sensibilidade; que sabem que conviver
com o frio da noite não é nada fácil. Se no Nordeste brasileiro é difícil,
imagine que passa noites nas ruas do Sul e do Sudeste brasileiro, sem ter muito
com que se agasalhar ou sem uma sopa quente para aquecer. Parabéns a estas
pessoas que demonstram humanidade com aqueles que a sociedade, na sua maioria,
enxergar como um peso na economia e que em nada contribui e influi.
Escórias que nada! Pessoas
que precisam de ajuda, de uma atenção. São muitas histórias diferentes, que
chocam, emocionam e motivam. São muitos personagens que merecem atenção e um
destaque maior, pois são grandes artistas da vida real, como aquele do filme O
Solista, que narra a história real de um morador de rua esquizofrênico, de
admiráveis habilidades com o violino, descoberto por um jornalista que desejava
abordar a sua história de vida nas ruas.
Como Nathaniel Ayers, protagonista do filme, as ruas do Brasil têm muitos,
nem tanto com o mesmo dom musical, mas quem sabe, outros que possam
sensibilizar tanto quanto. Quem sabe um dia, possamos encontrar um
personagem desses e nos permitir que nos sejam ouvidos, antes que o frio e a insegurança
da noite ceifem suas vidas.
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