sexta-feira, 22 de julho de 2016

O MENINO DO CANTO DA SALA



Autor: Carlos Delano Rebouças

No meu primeiro dia de aula naquela renomada escola, pude observar em meio a tantos alunos extrovertidos, de muita ansiedade e hormônios aflorados, sedentos de falar e interagir, muito mais entre si e bem menos com o professor e a aula, um garoto, que pela lista de chamada, chamava-se Hipólito.

A sala não era tão grande, porém, bastante povoada. Alunos praticamente amontoados uns sobre os outros, num total desrespeito às exigências mínimas para se desenvolver uma educação de qualidade. Contudo, lá estava Hipólito, que apresentava um comportamento bastante diferente da maioria, calado na sua introspecção, sem dar espaço para qualquer aproximação. Fazia parte daquela turma de jovens de 15 anos, em média, desde as séries iniciais. Todos se conheciam e se respeitavam, na medida do possível. Porém, Hipólito continuava intocável desde sempre, ou seja, ninguém esboçava uma aproximação, pois não sabia qual seria a sua reação.

Sem mais controlar a minha curiosidade, deixando falar mais alto a minha posição de Professor na identificação das possíveis possibilidades que inibiam aquele jovem de se envolver mais intensamente no processo educativo, aproximei-me, com um “bom dia”.

Resposta não me deu. Somente um olhar perdido no silêncio, como se fosse o suficiente para um Professor que se sentia angustiado com a situação. Tempo para isso, adquiri, pois antes da minha investida sobre Hipólito e já prevendo que seria uma árdua tarefa, tratei logo de passar uma pequena tarefa para a turma, a fim de não ser atrapalhado.

Fiz outra tentativa e nada. Esperei alguns instantes, reaproximei-me, e, como já querendo desistir, falei-lhe baixinho ao ouvido: “Posso lhe ajudar”?

De repente, aquele olhar que parecia distante de tudo e de todos, que nem mesmo seus colegas de sala desconheciam, voltou-se para mim. Senti-o penetrar profundamente nos meus olhos, como se buscasse respostas, como se pedisse socorro. E sem perda de tempo, disse-lhe: “fale garoto, estou aqui para lhe ouvir, para lhe escutar. Em que posso lhe ajudar”?

Quando olhei para trás, pois Hipólito sentava-se no fundo da sala, e girando meu olhar de 180 graus, percebi toda turma em completo silêncio, como se nunca estivessem ficado na vida, à espera, tanto quanto eu, de ouvir o timbre da voz de Hipólito, uma sílaba sequer, um murmuro, ou mesmo, uma forte e audível respiração. Ali, naquela sala, alguns pareciam assustados; outros, perplexos, ante uma curiosidade angustiante que se instalara há tempos, mas que jamais acreditavam que poderia sem desvendada um dia.

Hipólito então, atônico, dividiu o seu profundo olhar com toda a turma, e, enxugando uma lágrima que insistiu em escorrer num canto maroto dos seus olhos, disse:

“Nunca apareceu um Professor nessa escola que demonstrasse se preocupar comigo. O senhor foi o primeiro. Nunca meus colegas demonstraram qualquer preocupação comigo, e o senhor os motivou a isso. Hoje, sinto-me lembrado, visto e percebido. Não sou mais aquele garoto do fundo da sala que somente ocupa um espaço e nada mais. Alguém parou para ver que existo. Esse alguém foi o senhor”.

Confesso que o seu desabafo emocionou um homem vivido, como também um profissional de educação que já passou por muitas situações delicadas, típicas de seu ofício profissional. Lágrimas foram difíceis de conter, não somente as minhas, mas de toda a turma, que jamais esperaria uma resposta daquelas.

Depois daquele dia, Hipólito transformou-se em um novo aluno, comunicativo nas suas limitações, mas interagindo com a turma que passou a lhe respeitar conforme sua personalidade. Depois daquele dia, melhorei como profissional de educação, passando a ter ainda mais certeza de que podemos ajudar nossos alunos bem mais que somente um repassador de conteúdo. Tornamo-nos, todos, pessoas melhores.



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