Autor:
Carlos Delano Rebouças
No
meu primeiro dia de aula naquela renomada escola, pude observar em meio a
tantos alunos extrovertidos, de muita ansiedade e hormônios aflorados, sedentos
de falar e interagir, muito mais entre si e bem menos com o professor e a aula,
um garoto, que pela lista de chamada, chamava-se Hipólito.
A
sala não era tão grande, porém, bastante povoada. Alunos praticamente
amontoados uns sobre os outros, num total desrespeito às exigências mínimas
para se desenvolver uma educação de qualidade. Contudo, lá estava Hipólito, que
apresentava um comportamento bastante diferente da maioria, calado na sua
introspecção, sem dar espaço para qualquer aproximação. Fazia parte daquela
turma de jovens de 15 anos, em média, desde as séries iniciais. Todos se
conheciam e se respeitavam, na medida do possível. Porém, Hipólito continuava
intocável desde sempre, ou seja, ninguém esboçava uma aproximação, pois não
sabia qual seria a sua reação.
Sem
mais controlar a minha curiosidade, deixando falar mais alto a minha posição de
Professor na identificação das possíveis possibilidades que inibiam aquele
jovem de se envolver mais intensamente no processo educativo, aproximei-me, com
um “bom dia”.
Resposta
não me deu. Somente um olhar perdido no silêncio, como se fosse o suficiente
para um Professor que se sentia angustiado com a situação. Tempo para isso,
adquiri, pois antes da minha investida sobre Hipólito e já prevendo que seria
uma árdua tarefa, tratei logo de passar uma pequena tarefa para a turma, a fim
de não ser atrapalhado.
Fiz
outra tentativa e nada. Esperei alguns instantes, reaproximei-me, e, como já
querendo desistir, falei-lhe baixinho ao ouvido: “Posso lhe ajudar”?
De
repente, aquele olhar que parecia distante de tudo e de todos, que nem mesmo
seus colegas de sala desconheciam, voltou-se para mim. Senti-o penetrar
profundamente nos meus olhos, como se buscasse respostas, como se pedisse
socorro. E sem perda de tempo, disse-lhe: “fale garoto, estou aqui para lhe
ouvir, para lhe escutar. Em que posso lhe ajudar”?
Quando
olhei para trás, pois Hipólito sentava-se no fundo da sala, e girando meu olhar
de 180 graus, percebi toda turma em completo silêncio, como se nunca estivessem
ficado na vida, à espera, tanto quanto eu, de ouvir o timbre da voz de Hipólito,
uma sílaba sequer, um murmuro, ou mesmo, uma forte e audível respiração. Ali,
naquela sala, alguns pareciam assustados; outros, perplexos, ante uma
curiosidade angustiante que se instalara há tempos, mas que jamais acreditavam
que poderia sem desvendada um dia.
Hipólito
então, atônico, dividiu o seu profundo olhar com toda a turma, e, enxugando uma
lágrima que insistiu em escorrer num canto maroto dos seus olhos, disse:
“Nunca
apareceu um Professor nessa escola que demonstrasse se preocupar comigo. O
senhor foi o primeiro. Nunca meus colegas demonstraram qualquer preocupação
comigo, e o senhor os motivou a isso. Hoje, sinto-me lembrado, visto e
percebido. Não sou mais aquele garoto do fundo da sala que somente ocupa um
espaço e nada mais. Alguém parou para ver que existo. Esse alguém foi o senhor”.
Confesso
que o seu desabafo emocionou um homem vivido, como também um profissional de
educação que já passou por muitas situações delicadas, típicas de seu ofício
profissional. Lágrimas foram difíceis de conter, não somente as minhas, mas de
toda a turma, que jamais esperaria uma resposta daquelas.
Depois
daquele dia, Hipólito transformou-se em um novo aluno, comunicativo nas suas
limitações, mas interagindo com a turma que passou a lhe respeitar conforme sua
personalidade. Depois daquele dia, melhorei como profissional de educação,
passando a ter ainda mais certeza de que podemos ajudar nossos alunos bem mais
que somente um repassador de conteúdo. Tornamo-nos, todos, pessoas melhores.
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