Carlos Delano
Rebouças
"Cresci ouvindo de meu
pai que devemos estudar e que este é o único caminho para o sucesso na vida.
Assim sempre quis acreditar."
Palavras de Luizinho –
menino pobre e sofrido, filho de nordestinos da periferia de São Paulo –
enquanto folheava no colchão sujo e úmido, devido às tantas goteiras no barraco
que divide com mais seis irmãos, seus pais e seu cãozinho Bolinha, um livro
encontrado nas ruas daquela megametrópole, na sua caça pela sobrevivência.
Luizinho não descobrira a
leitura. Somente matava as saudades do tempo de escola, abandonada por força
das circunstâncias. Tinha que ajudar seus pais a sustentar seus irmãos mais
novos, apesar de seus 12 anos. Aquela leitura parecia envolvê-lo num mundo desconhecido,
perdido e deixado num passado não tão distante. Imaginava ser aquele garoto que
se tornava um grande médico, salvador de vidas e descobridor de fórmulas
importantíssimas para erradicação de tantas doenças.
Nem sempre nossas viagens
são agradáveis, mas esta de Luizinho parecia ser, até escutar o grito forte de
sua mãe: "corra, Luizinho, que seu irmão precisa de ajuda!"
Não precisou correr tanto;
bastou virar-se de lado para perceber que seu irmão caçula, com quem dividia
seu colchão úmido, sujo e repleto de ácaros, estava engasgado com algum objeto
indefinível no momento, já que o nervosismo geral não permitia identificar.
Aquele garoto já estava
ficando roxo, perdendo a respiração e a voz do socorro. Seu olhar já se perdia
pelas vias obscuras da morte, sob os olhares do desespero de uma mãe e da
impotência de um irmão que fisicamente estava muito perto, mas muito distante,
viajando num sonho que a leitura o permitia.
De repente, Luizinho num ato
impensado e bem mais de desespero, resolve bater em suas costas. Fortes e
suficientes para aquele objeto ser expulso pela boca, com ar de alívio. Logo
voltaram a respiração e a sua tonalidade normal de pele, acompanhados do
suspiro forte de sua mão, com uma intensa respiração, puxada do ponto mais profundo
de seus pulmões e da alma. Ah, meu filho teve esse livramento!
Mas o que engasgara aquele
pobre menino? Que objeto ele engoliu, que o levou à fronteira entre a vida e a
morte? Luizinho e sua mãe se perguntavam, enquanto catavam-no pelo chão sujo,
empoeirado daquele barraco que serviu de cenário do pavor, diante do silêncio
do menino que ainda buscava recuperar os sentidos.
Uma tampa de caneta. Seu
pequenino irmão simplesmente engoliu a tampa de uma esferográfica que
encontrara no lixão da esquina, levando-a para casa, a fim de exercitar a
escrita que tanto desejava dominar. Desejo este, que num momento de distração,
levou-o a colocar a tampa desta bendita caneta em sua boca.
Passado o sufoco e feitas as
devidas orientações, partidos principalmente de sua sofrida mãe, Luizinho
aproximou-se do irmão, dizendo: “Que bom que deu certo e consegui expelir o
objeto. Que bom que encontrei um livro que me fez viajar no sonho de ser um
médico, salvador de vidas e descobridor de fórmulas para curar doenças. Bom também
saber que ajudei a salvar a sua, na certeza de que a leitura também salva vidas
pelo conhecimento e sabedoria, que levam à evolução humana. Foi isso que nos
salvou."
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