Ofereci-me para tomar conta de Ramanda, nossa filha de três anos, para minha mulher sair com uma amiga. Enquanto Ramanda brincava na sala ao lado, eu adiantava meu trabalho. Achei que estava tudo bem. De repente, percebi que ela estava quieta demais.
– Ramanda, o que você está fazendo?
Nenhuma resposta. Repeti a pergunta e ela disse:
– Ah… nada.
Nada? O que quer dizer “nada”?
Corri para a sala a tempo de vê-la decolar para o hall, disparei escada acima atrás dela e ainda vislumbrei seu bumbunzinho dando uma guinada à esquerda na porta do quarto. Eu ganhava terreno! Ela arremeteu para o banheiro. Péssima manobra. Ficou num beco sem saída. Falei para ela olhar para mim. Recusou. Apelei para a mais alta, ameaçadora e autoritária voz de pai:
– Menina! Eu disse para olhar para mim!
Ela se virou devagarinho. Na mão, estava o que restava do batom novo da mãe. O rosto estava inteiramente coberto de vermelho vivo (exceto os lábios, é claro)!
Olhava para mim com medo, os lábios tremendo. Ouvi todas as vozes que gritaram comigo em criança: “O que é isso?… Você não tem mais idade para isso!… Quantas vezes eu tenho que repetir… Que coisa feia… Assim não é possível!” Era só escolher, entre o repertório de velhas mensagens, qual delas usar para dizer que ela era uma menina impossível. Mas antes de me decidir, meus olhos bateram na camiseta que minha mulher tinha vestido em Ramanda menos de uma hora atrás. As letras garrafais diziam: “SOU UM ANJINHO PERFEITO”. Olhei de novo para os olhos rasos de lágrimas e, em vez de ver a menina impossível que não ouvia ninguém, vi uma filhinha de Deus… um anjinho perfeito de grande valor e maravilhosa espontaneidade, que estive perigosamente perto de envergonhar.
– Querida, você está linda! Vamos tirar uma foto para a mamãe ver como você ficou bonita.
Tirei uma foto e agradeci a Deus por não ter perdido a oportunidade de reconhecer um anjinho perfeito que Ele me deu.
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