quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O Trem da Meia Noite (L.F.Riesemberg)



 Dava para ouvir quando ele passava, sempre por volta da meia noite. Quando criança, Richard ficava acordado em sua cama até ouvir o apito, e imaginava como era o trem, para onde iria, que carga levava e quem estaria a bordo. Durante o dia ele ia brincar perto dos trilhos, mas nunca viu a locomotiva. O único horário em que ela passava era tarde demais para se estar por lá.
"Um dia quero ficar ao lado da linha para vê-lo soltando fumaça", pensava. Mas acabava nunca indo. Apenas ouvia aquele silvo agudo, ao longe, na hora de dormir.
Assim foi durante anos, até que o trem parou de apitar. Foi de repente, numa noite qualquer. O relógio marcou meia noite, depois uma da manhã, duas, e nada. Ele simplesmente não passou pela cidade, e isso se seguiu nas noites seguintes, e então nunca mais.
Richard lamentou ter perdido a chance de ver o trem, que sempre tivera papel importante em sua imaginação. Mas aos poucos ele foi se esquecendo que um dia tinha ouvido os apitos. O menino cresceu, começou a trabalhar, casou, teve filhos, eles cresceram, lhe deram netos, enviuvou...
Na velhice, Richard passou a escutar cada vez menos. Tinha sempre que perguntar duas ou três vezes antes de responder uma pergunta, o que irritava os menos pacientes. Sentia-se um velho triste e sem utilidade, cujas antigas histórias não interessavam a mais ninguém.
Foi numa noite de nostalgia que, pouco antes de adormecer, ele o ouviu. Começou baixinho, muito distante, e então foi crescendo. O trem estava passando por lá outra vez. 
"Não é possível!", pensou.
Depois de setenta anos a locomotiva estava novamente nos trilhos. O som ia ficando cada vez mais forte, e ele não quis mais esperar. Levantou da cama, calçou os chinelos e saiu de casa, depois caminhou até a linha de trem. Não havia ninguém na rua para estranhar um senhor da sua idade andando de pijamas.
O apito ia ficando cada vez mais forte à medida que Richard se aproximava da linha de ferro, até que eles se encontraram. Pela primeira vez Richard viu aquele enorme dragão de ferro vindo em sua direção, cantarolando e soltando fumaça pela chaminé. 
O trem foi diminuindo a velocidade e parou exatamente onde Richard esperava. 
-Viemos especialmente para buscá-lo, Richard - disse o maquinista.
Convertido novamente em um menino, ele subiu os degraus da locomotiva. 
-Eu posso puxar a corda que faz apitar? - perguntou o garoto.
Apesar da ferrovia estar desativada há décadas, todos os moradores da cidade juravam que, na noite em que o velho Richard se foi, ouviram um animado apito de trem chegar aos seus ouvidos.

Fonte: http://www.riesemberg.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário