"Cresci
ouvindo de meu pai que devemos estudar e que este é o único caminho para o
sucesso na vida. Assim sempre quis acreditar."
Palavras de
Luizinho – menino pobre e sofrido, filho de nordestinos da periferia de São
Paulo – enquanto folheava no colchão sujo e úmido, devido às tantas goteiras no
barraco que divide com mais seis irmãos, seus pais e seu cãozinho Bolinha, um
livro encontrado nas ruas daquela megametrópole, na sua caça pela
sobrevivência.
Luizinho não
descobrira a leitura. Somente matava as saudades do tempo de escola, abandonada
por força das circunstâncias. Tinha que ajudar seus pais a sustentar seus irmãos
mais novos, apesar de seus 12 anos. Aquela leitura parecia envolvê-lo num mundo
desconhecido, perdido e deixado num passado não tão distante. Imaginava ser
aquele garoto que se tornava um grande médico, salvador de vidas e descobridor
de fórmulas importantíssimas para erradicação de tantas doenças.
Nem sempre nossas
viagens são agradáveis, mas esta de Luizinho parecia ser, até escutar o grito
forte de sua mãe: "corra, Luizinho, que seu irmão precisa de ajuda!"
Não precisou correr
tanto; bastou virar-se de lado para perceber que seu irmão caçula, com quem
dividia seu colchão úmido, sujo e repleto de ácaros, estava engasgado com algum
objeto indefinível no momento, já que o nervosismo geral não permitia
identificar.
Aquele garoto já
estava ficando roxo, perdendo a respiração e a voz do socorro. Seu olhar já se
perdia pelas vias obscuras da morte, sob os olhares do desespero de uma mãe e
da impotência de um irmão que fisicamente estava muito perto, mas muito
distante, viajando num sonho que a leitura o permitia.
De repente,
Luizinho num ato impensado e bem mais de desespero, resolve bater em suas
costas. Fortes e suficientes para aquele objeto ser expulso pela boca, com ar
de alívio. Logo voltaram a respiração e a sua tonalidade normal de pele,
acompanhados do suspiro forte de sua mão, com uma intensa respiração, puxada do
ponto mais profundo de seus pulmões e da alma. Ah, meu filho teve esse
livramento!
Mas o que engasgara
aquele pobre menino? Que objeto engoliu, que o levou à fronteira entre a vida e
a morte? Luizinho e sua mãe se perguntavam, enquanto catavam-no pelo chão sujo,
empoeirado daquele barraco que serviu de cenário do pavor, diante do silêncio
do menino que ainda buscava recuperar os sentidos.
Uma tampa de
caneta. Seu pequenino irmão simplesmente engoliu a tampa de uma esferográfica
que encontrara no lixão da esquina, levando-a para casa, a fim de exercitar a
escrita que tanto desejava dominar. Desejo este, que num momento de distração,
levou-o a colocar a tampa desta bendita caneta em sua boca.
Passado o sufoco e
feitas as devidas orientações, partido principalmente de sua sofrida mãe,
Luizinho aproximou-se do irmão, dizendo: “Que bom que deu certo e consegui
expelir o objeto. Que bom que encontrei um livro que me fez viajar no sonho de
ser um médico, salvador de vidas e descobridor de fórmulas para curar doenças.
Bom também saber que ajudei a salvar a sua, na certeza de que a leitura também
salva vidas pelo conhecimento e sabedoria, que levam à evolução humana. Foi
isso que nos salvou."
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