Autor:
Carlos Delano Rebouças
Vinha certa vez em um ônibus
para casa, sentado em uma daqueles assentos destinados às prioridades. Ora,
sentei-me ali por direito, pois obeso e exaurido por um dia desgastante de
trabalho, pois sabia que me enquadrava nos pré-requisitos claros do aviso afixado
à janela logo acima.
O ônibus estava vago. Poucos
lugares ocupados por pessoas que se distraiam ora com a música escolhida pelo
motorista que tomava o coletivo por inteiro, ora no manuseio de seus celulares,
embora todos soubessem que andar de ônibus hoje em dia é risco iminente de ser
assaltado, em todas as paradas feitas para embarque e desembarque.
Em uma dessas paradas, pela
porta dianteira – aquela destinada a quem tem direito livre de acesso – subiu
um senhorzinho de barbas longas e esbranquiçadas. De pronto, não sei bem se foi
devido ao período, lembrei-me do bom velhinho.
Sentado ao meu lado, no
outro lado do corredor, sozinho aquele velho homem sentou-se e seguiu o seu
caminho em busca de destino, somente de seu conhecimento. Esbocei direcionar o
meu olhar curioso, como se tentasse saber o que levava aquele velho homem a cultivar,
por longos anos, aquela barba, como se a vaidade deixasse de residir naquele
ser por décadas e décadas. Contudo, ante a sua sisuda postura, sem abrir espaço
para um sorriso sequer, preferi investigar com olhares de canto, atravessados,
vendo bem mais pelos ouvidos, que, no máximo, captavam a sua ofegante
respiração.
Certamente alguém pode se
perguntar as razões para tanta curiosidade sobre uma pessoa que nem mesmo tinha
visto em alguma outra ocasião da minha vida. Mas somente seria pelo seu estilo
Papai Noel?
Contendo-me, evitei não
chamar a atenção. Sua e dos demais passageiros. Preferi não invadir a discrição
daquele velho homem que, de posse de uma grande sacola plástica, privava a
todos, para não dizer somente eu, de saber o que nela continha. Seria uma
chance de descobrir quem era aquele homem.
De repente, levantou-se. Deu
o sinal para a sua descida e, em lentas passadas, caminhou em direção à porta
de saída para o seu destino. Inevitavelmente aquele ônibus estava sendo deixado
para trás e com ele, a curiosidade que me consumia. Estático, restou-me ficar,
mas na torcida solitária para que desistisse ou, pelo menos, para que alguma
coisa viesse a impedir que descesse naquela parada.
Parece que Deus ouviu meus
pedidos. Enquanto caminhava, a sua sacola cai inexplicável de suas mãos ao chão
e, sem que pedisse, corri para catá-la. Seria a oportunidade única e maior
para, no mínimo, saber se aquele velhinho sabia pelo menos falar. E com sua
sacola nas mãos, diante de seu penetrante olhar, disse-me:
- Muito obrigado, meu filho!
Enquanto o ouvia, o ônibus
seguia, deixando a sua parada para trás. Sem demora, respondi-lhe, seguido de
uma breve pergunta:
- De nada, senhor, mas, por
gentileza, como se chama?
- Tomando rapidamente a
sacola de minhas mãos, respondeu-me ainda agachado ao assoalho do ônibus:
- Sou aquele bom velhinho
que vai sempre visitá-lo nas noites de Natal, em que todos me esperam vindo num
belíssimo trenó, guiado por renas, mas que na verdade, posso chegar de tantas
outras formas, inclusive, por meio de um transporte público como este em que
estamos.
Sem acreditar no que ouvia,
baixei minha cabeça por um rápido instante, e, após duas chacoalhadas de um
lado para o outro, levantei-a. E para a minha surpresa, como um passe de
mágica, aquele homem não mais estava na minha frente, nem mesmo naquele ônibus.
Sem alarmar, no silêncio das
minhas inquietações, e na dúvida se foi sonho ou realidade, preferi ficar no
meu silêncio, pois aqueles poucos passageiros que comigo estavam no ônibus
pareciam que nada tinha visto e ouvido. Fui para a casa com a magia de Natal
revitalizada em minha vida, à espera que o bom velhinho não me deixe de
visitar.
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