quarta-feira, 19 de agosto de 2015

DOIS VELHINHOS


Dalton Trevisan

Dois inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo. 
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um consegue espiar lá fora. 
Junto à porta, no fundo da cama, para o outro é a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, pergunta o que acontece. Deslumbrado, anuncia o primeiro: 

- Um cachorro ergue a perninha no poste. 

Mais tarde: 
- Uma menina de vestido branco pulando corda. 
Ou ainda: 
- Agora é um enterro de luxo. 
Sem nada ver, o amigo remorde-se no seu canto. O mais velho acaba morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela. 
Não dorme, antegozando a manhã. O outro, maldito, lhe roubara todo esse tempo o circo mágico do cachorro, da menina, do enterro de rico. 
Cochila um instante - é dia. Senta-se na cama, com dores espicha o pescoço: no beco, muros em ruína, um monte de lixo. 

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