Antes da existência humana, existe a Terra. Antes dessa, o Universo. Antes desse, nada se sabe. Ninguém sabe. No presente estágio evolutivo, não é possível saber. O Big Bang nada explica. Os textos sagrados são alegóricos. A Ciência estanca. Tudo isso só poderia ser explicado através de uma causa, que, por sua vez, seria preciso justificar-se e, assim, sucessivamente: um encadeamento de causas sem começo nem fim.
Apenas duas alternativas há: ou essa cadeia é finita, e essa hipótese somente poderia iniciar-se por algo inexplicável — um começo absoluto, de nada precedido, um evento sem causa; ou é infinito e, de igual, inexplicável — porque jamais se chegaria à “causa primeira”. O conhecimento humano não vai além disso.
Aristóteles reivindicava que seria preciso parar em algum lugar. Mas onde? Na incerteza, na dúvida? Onde quer que se pare, o espectro da continuidade exige que se busque uma nova causa. O que se poderia opor a isso é a ideia de uma eterna causa de si mesmo, a quem se daria o nome de Deus — a “causa incriada”, sem princípio nem término. Mas isso implicaria a necessidade de que essa grande causa fosse exterior a toda série causal e, por consequência, transcendente. Porém, o que prova isso: Deus é a ordem das causas? Deus é a razão das causas? O que provaria que essa “Causa Suprema” fosse Deus? Ou que Deus fosse a própria Natureza, como dizia Espinosa? Ou o próprio Ser, como desejava Parmênides? E o que indica que esse Ser Supremo seria dotado de consciência, capaz de amar a Humanidade incondicionalmente? Os religiosos o ignoram tanto quanto os materialistas e os ateus. A verdade não lhes pertence. O mistério também não! Poderiam, contudo, refutar: se o Ser é eterno (se sempre existiu o Cosmos), torna-se irrelevante procurar sua origem. Mas isso seria suficiente para justificá-lo? Os metafísicos não podem fugir dessas indagações, tanto quanto os físicos e os teólogos! O Ser é insondável, o Universo é misterioso! Antes do Homem há o mundo e o enigma do mundo!
Isso, todavia, não descarta em nada o fato de que o homem existe e que se encontra dentro, no âmago do Ser, na profundidade do segredo, nele envolvido por todos os lados, sujeito ao incansável processo de mudança, sem poder desentranhar-se. Seu cadáver é partícula do Cosmos, suas ideias, seus pensamentos, suas ações, são processos de interação com o Todo. Seria ele, então, prisioneiro da iminência? Só será cativo se não existir a transcendência!
Daí o sábio questionamento de Pascal — um dos maiores filósofos cristãos: “Quando considero a pequena duração de minha vida absorvida na eternidade precedente e seguinte, o pequeno espaço que ocupo ou mesmo que vejo, abismado na infinita imensidão dos espaços que ignoro e que me ignoram, assusto-me e me espanto de me ver aqui e não lá; pois não há razão por que aqui e não lá, por que agora e não então. Quem me pôs aqui? Por que ordem e conduta de quem este lugar e este tempo me foram destinados?”. Diante da incapacidade do Homem para responder a contento essas formulações filosóficas, seria razoável perguntar: Deus não seria somente um acaso a mais e o acaso apenas um Deus a menos? Haveria alguma importância em aclarar tudo isso?
Seja como for, além de sua pequenez metafísica, no plano da realidade objetiva, o Homem tem muito de chipanzés e gorilas, muito de assustador (violência, guerras, massacres). É preciso, pois, ter humildade para ver o humanismo sem ilusões — em pleno processo de transição: se o crime é inerente à sua natureza, a luta pela paz e pela justiça também o é. Se o Homem pode ser desumano, somente ele pode e deve tornar-se humano, cabendo-lhe promover sua ascensão. Infere-se, pois, que o humanismo é da essência humana e que a Humanidade não se reduz à mera espécie animal.
Embora não sendo possível saber como a “vida” teve início, sequer quando e onde, pouco importa. A certeza é que ao homem foi dada a incumbência de continuar essa saga, perpetuando a espécie, vivendo com dignidade, cuja tarefa e destino é continuar participando da edificação da maior “obra” que já existiu, com determinação e coragem, à procura da verdade que pode libertar e da emoção que seja verdadeira.
Autor: Edilson Santana
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