terça-feira, 13 de junho de 2017

ENQUANTO O CAFÉ SAÍA


por Carlos Delano Rebouças

Certa vez, passando pelo centro de Fortaleza, parando para tomar um cafezinho, sentando  em um banquinho, aproximou-se de mim um rapaz com um único pedido: “O senhor poderia pagar para mim um café”?
Olhando aquele rapaz sujo, de chinelas com alças amarradas com um arame, barba por fazer, muito menos de cheiro agradável, condições suficientes para qualquer pessoa afugentá-lo, achando se tratar de algum delinquente que costuma frequentar as ruas das grandes cidades, sem pestanejar disse ao moço que atendia a diversos outros clientes no local: “Sirva um café e um pão com queijo ao rapaz, que eu pago”.
Enquanto fazia minha refeição matinal, como já era habitual há 10 anos, puxei uma conversa com aquele rapaz que permanecia calado desde o fim de seu pedido. Perguntei-lhe, primeiramente, seu nome, e, em seguida, algumas outras, bem mais para deixá-lo mais à vontade, já que muitos que ali estavam quando chegou, rapidamente saíram, até comendo e bebendo seu café numa rápida caminhada. São atitudes até aceitáveis, diante de tanta violência existente no mundo, em que a aparência ainda significa um fator de avaliação na sociedade.
Raimundo foi o nome que me apresentou. Porém, segundo aquele homem de cerca de 40 anos de idade, negro, franzino, e de olhar sofrido, era muito mais conhecido como Mundico. Depois que nos apresentamos, perguntei-lhe onde morava e sem demora respondeu: “aqui”.
Sua resposta não me causou espanto, já que a rua é a morada de muita gente que por alguma razão busca nela o seu refúgio, o seu único caminho para fugir de alguém ou de alguma situação que lhe tirou a paz, que significou uma decepção. Assim, foi para Mundico.
Mundico era um homem de vida normal, trabalhador e de família constituída. Casado e pai de dois filhos, abandonou tudo para desbravar um mundo em busca de resposta para a decepção que sofrera. Nem todo mundo reage bem a uma traição. Assim aconteceu com Mundico, e ali, enquanto seu café estava sendo preparado, conhecia um pouco de sua triste história.
Ao aviso do Luzardo, dono daquele carrinho de lanche de nossos lanches matinais, que seu lanche estava pronto, Mundico rapidamente se ergueu, esticando as mãos para pegar aquele que poderia ser a sua única refeição do dia, pois não podia me esquecer de que havia me dito que sua expectativa sempre era a da chegada da noite, que trazia à praça que ficava nas proximidades de onde estávamos bondosas pessoas com suas sopas e canjas, em atos de solidariedade e humanidade que ainda fazem a diferença na humanidade. Como é bom saber que sempre existe alguém a se sensibilizar com o sofrimento alheio.
Ao receber das mãos de Luzardo seu lanche, rapidamente ia saindo, quando lhe perguntei: “Por que não faz sua refeição aqui, Mundico”?
Na mesma velocidade, respondeu-me: “Vou dividir com minha família, posso”?
Diante de sua resposta, já refletindo sobre o seu humilde pedido, como se não permitisse que dividisse com alguém, mas confuso por dizer que desejava dividir com sua família, que até pouco tempo havia me dito ter abandoná-la, perguntei-lhe curiosamente: Família, amigo? Não tinha me dito que tinha deixado para trás?
Ele me respondeu: “Uma nova família já tenho; esta chegou pronta, pois minha nova companheira a conheci na rua, abandonada pelo marido com dois filhos pequenos. Hoje, somos felizes e tudo que consigo na rua levo para o nosso cantinho, debaixo de uma marquise de uma loja abandonada, para dividirmos. É lá que vivemos há uns dois anos”.
Fiquei feliz por ouvi aquele relato de Mundico e sua tentativa de ser feliz ao lado de uma nova pessoa. Fiquei feliz também em ver aquele homem fazendo a função de pai que não pôde com seus filhos biológicos. Mais feliz ainda fiquei por lhe ter dado a oportunidade de levar mais três lanches para casa e feito mais um amigo.
Daquela data em diante, todas as vezes que passava no centro da cidade de Fortaleza e me encontrava com Mundico, conversávamos um pouquinho como bons amigos, bem como me aumentava a certeza de que o preconceito pode nos privar de muita coisa edificante na vida, inclusive, de conhecer pessoas maravilhosas como Mundico.



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