Autor:
Carlos Delano Rebouças
Ninguém pode se
atrever a dizer que é seu dono. É somente um de vários bancos daquela antiga e
nostálgica praça do meu bairro, que mais parece ser único, sem mesmo precisar
de outros adjetivos, embora não me prive de dizê-los, naturalmente, de tão
disputado que o é.
Não é porque está bem
debaixo de uma grandiosa sombra de uma mangueira, daquelas que qualquer
vivente, como dizia meu avô, sem demora a torna sempre desejosa para uma sesta
ou para uma boa leitura de um livro, que não vamos reconhecer seus outros mais
atrativos. Antes da existência dessa sombra que a domina durante todo dia, esse
banco já existia e já atraía seus apreciadores, mesmo com o sol escaldante em
suas moleiras. Todos sempre o enxergaram não somente como o banco da praça,
como tantos outros que lá existiam, mas como aquele que parecia ser seu,
unicamente, até que tivesse de seguir seu caminho e viesse outro a ter a mesma
sensação.
Lá, amigos se
encontravam e punham as conversas em dia. Quando o primeiro se sentava no
banco, mesmo que tivesse espaço para mais dois, ninguém se atrevia a solicitar
seus espaços. Parecia o trono de um rei que o ocupou, primeiramente, naquela
vez, tornando-o indivisível, a conversar com seus súditos em sua volta, em
falas e risos no conto de seus causos.
Em meio às diversas
conversas, dos mais diferentes grupos de amigos, de diferentes idades e em
diferentes horários do dia, sempre havia momentos, embora raros, de se ver
aquele banco vazio e solitário, sem ninguém a se sentar nele. Parecia que não
existiam motivos e razões para querer-lhe como um descanso, como um fugaz
momento, mesmo que fosse para uma reflexão. Havia momentos, sim, que o velho
banco parecia que não existia.
Certa vez, um velho
homem que passava pela praça viu-o vazio, sem ninguém a demonstrar interesse
algum de descansar sobre ele, e vejam que a praça estava repleta de moradores
do bairro, aproveitando aquela tarde de sábado, brincado e caminhando numa
tranquilidade que parece cada vez mais rara de se ver nas grandes cidades. Logo
se sentou, em seguida, deitou-se, e por lá ficou, adormecido por longas e
longas horas. Sem muita demora, a noite chegou, e aquele velho homem ali
continuava dormindo como se estivesse na mais confortável das camas, sem
ninguém a importuná-lo. E assim ficou até que a praça se esvaziasse por
completo, invadindo a madrugada.
Na manhã seguinte,
acorda o velho homem diante do raiar de um belo dia ensolarado, despertado pelo
canto dos sanhaçus que tinham aquela velha praça como uma morada. Na mesma
rapidez de seu despertar, sem tempo nem mesmo para se espreguiçar, percebe a
aproximação de um jovem rapaz, de pouco mais de 20 nos, que sem mesmo
desejar-lhe um bom-dia, pergunta:
- Quem é o senhor? O
que o trouxe aqui para a nossa praça?
Respondeu o velho
homem:
- Meu jovem, bom dia!
Primeiramente, como se chama?
Respondeu o garoto:
- Ulisses. Assim me
chamam aqui no bairro.
Continuou Ulisses:
- Sou morador de rua
e resido nesse bairro desde que fui abandonado por alguém que se dizia minha
mãe, justamente nesse banco em que o senhor está desde ontem. Mas, deixando a
minha vida à parte, responda-me quem é mesmo o senhor? Porque escolheu ficar
nesse banco desde ontem, com a sua chegada? Todos se perguntam no bairro, sabia?.
Depois de ouvir o
garoto, o velho lhe pediu permissão para contar uma breve estória antes de
responder às suas perguntas, tendo de imediato o seu consentimento.
- Meu jovem Ulisses,
há 19 anos ando de praça em praça dessa cidade em busca de me reencontrar com
um passado que mudou a minha vida. Em uma delas, minha esposa, hoje falecida,
estava sentada em um banco quando se aproximou uma pessoa, mostrando-se
atenciosa e prestativa, e pediu para segurar o nosso filho. Minha esposa,
cansada e faminta, aceitou a sua ajuda. Rapidamente adormeceu no banco, porém, quando
acordou assustada, sem o nosso filho em seu colo, percebeu que aquela pessoa
havia roubado o nosso único filho, que até hoje procuro e que hei de
encontrá-lo um dia.
Continuou:
- Minha esposa foi
vítima da imagem sempre perfeita do homem o qual nossa ingenuidade permitia,
infelizmente, construir.
Ouvindo tudo aquilo,
com os olhos marejados, o curioso garoto lhe disse:
- posso lhe contar também
uma breve estória, antes que o senhor siga o seu caminho?
O velho homem
respondeu que sim.
- Senhor, nesse mesmo
banco que escolheu para se sentar e descansar dessa árdua busca pelo seu filho também
tem serve de pano de fundo para uma importante passagem da minha vida. Nele, fui
abandonado por uma pessoa que se dizia minha mãe; que dizia ter me posto no
mundo e que meu pai tinha nos abandonado. Tinha apenas sete anos, mas lembro-me,
perfeitamente, de uma conversa que ela teve com uma pessoa nesta mesma praça.
Sem que me percebesse por perto, disse que não era seu filho; que tinha me
roubado de minha mãe verdadeira mãe; e que queria somente para me usar para
pedir esmolas para saciar seus vícios. Usou-me por muitos anos, até que,
ficando maiorzinho e não mais despertando o sentimento de pena de motoristas
nos sinais, abandonou-me nesse mesmo banco e sumiu no mundo. Depois disso,
venho vivendo nesse bairro, tendo essa praça como minha casa e seus
frequentadores como minha família.
Ouvindo tudo aquilo,
o velho homem começava a acreditar que sua incansável luta em busca de seu
filho parecia chegar ao fim. Tratava-se de muitas coincidências envolvidas
entre as duas estórias que se cruzavam, que não mais deixava dúvidas que ali, à
sua frente, estava o seu filho.
O velho homem,
chamado Orestes, disse-lhe, aos prantos:
- Sua trajetória de
vida tem muito a ver com a minha. Teria interesse de fazer um exame de DNA para
sabermos se somos pai e filho?
Respondeu o garoto:
- Para mim, não há
necessidade.
Sem perder tempo,
abraçaram-se sob olhares e aplausos de curiosos que ouviram toda a conversa dos
dois, uniram suas mãos e seguiram por um único caminho, deixando para trás,
ecoando baixinho, a fala de seu Orestes:
- Vamos, meu filho,
para casa! Lá é seu lugar. Nossa vida começa agora.
Depois de alguns
meses, Ulisses reapareceu no bairro. Sentou-se naquele banco tão disputado da
praça e, rodeado dos antigos amigos, disse-lhes:
- Orestes era mesmo o
meu pai de verdade. Fizemos o exame de DNA e o resultado foi positivo. Passei a
ter irmãos, uma nova mãe e um grande pai. Hoje sou feliz por ter sido
encontrado e por poder contar uma nova história da minha vida. Agradeço a todos
por sempre me acolherem por aqui e a Deus por permitir que esse banco se
tornasse tão marcante na minha vida.