terça-feira, 8 de novembro de 2016

A DERROCADA DE UM SOBERBO


Autor: Carlos Delano Rebouças

Mariano era assim: ostentava, ostentava e ostentava! Aliás, acreditava que o mundo girava em sua função, que tinha o comando de tudo e de todos. Gritava; “Eu sou o cara”!

Ostentava, acreditava e gritava... Verbos no passado que significam uma situação que ficou para trás. E ficou mesmo, de verdade.

Mariano, um jovem rapaz do subúrbio carioca, nasceu em uma família humilde e lutadora. Sua mãe, Dona Inácia, uma costureira batalhadora que passou parte de sua vida sentada à sua máquina de costura, na sua pequena sala de estar, na sua lida diária para ajudar na manutenção de sua família ao lado do seu esposo José. Quantas vezes não fez suas rápidas refeições ali mesmo, em meio a linhas e tecidos, temendo engolir, na pressa que a consumia, uma agulha perdida!

Já o pai de Mariano, o Seu José, ralava, diuturnamente, como motorista de ônibus nas linhas da cidade. Saía antes mesmo do raiar do sol e chegava depois no florescer de um novo dia.

Como Mariano tinha pais guerreiros! Não podia ser diferente para quem tinha a responsabilidade de garantir o seu sustento e de seus outros sete irmãos.

Mariano e seus irmãos cresceram vendo seus pais nessa lida diária. Alguns deles, os dois mais velhos, diziam: “Um dia tiramos o pai do assento daquele ônibus e mãe daquela máquina”. Era o reconhecimento de todo o esforço feito para garantia de suas subsistências. Porém, de Mariano não se ouvia frases que tivessem o mesmo valor de reconhecimento, muito pelo contrário. O “Soberbo”, como passara a ser conhecido cresceu dizendo que um dia sairia daquela vida desgraçada e que deixaria tudo e todos para trás, como se pusesse a culpa em seus pais pela difícil vida que tinham.

E foi isso que aconteceu. O “Soberbo” cresceu e tornou-se um homem. Não quis estudar como seus irmãos, por acreditar que não o levaria a lugar nenhum, seguindo sua vida pelos caminhos tortuosos do crime. Envolveu-se, primeiramente, com pequenos furtos; depois, com grandes assaltos; e por último, com o tráfico e fraude de cartões. Passou a ser visto como o poderoso da comunidade em que nascera.

Seus outros sete irmãos, pela graça Divina, não seguiram esse mesmo caminho. Dois deles são professores da rede municipal; outros dois, comerciários; e os três mais jovens, estudantes e estagiários na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo palavras do Professor Mailson, irmão mais velho de Mariano, seu pai não aguentaria ver o caminho escolhido pelo seu irmão, pois cresceram sabendo que somente pelo trabalho honesto e digno seria possível vencer e ser feliz na vida.

Pena que Mariano nunca pensou dessa forma. Logo depois da morte de seu pai, há seis anos, e com a confirmação de que sua mãe estava como a doença de Alzheimer, o apelido de “Soberbo” ganhou força na comunidade. Na criminalidade conquistou tudo que acreditava preencher as lacunas difíceis de sua infância e parte da juventude: Carros, motos, bebidas, mulheres e farras coletivas. Mariano era o “rei do pedaço” e ninguém duvidava.

Mas um dia tudo mudou. Mariano perdeu o reinado que acreditava ser eterno. Como se diz na gíria: “a casa caiu”. Diante de uma intensa investigação policial que culminou em sua prisão, “Soberbo” começou a ver o seu castelo de sonhos desmoronar, sob os olhares de todos os seus súditos que o reverenciavam num baile que promovia na comunidade. Enquanto saia algemado, pouco a pouco se esvaziava o seu cenário de ilusões. Seguia sozinho sob uma escolta de dezenas de policiais.

Mariano, hoje, não é mais soberbo, mas seu apelido continua na boca de muitos de sua comunidade ao se lembrarem de tudo que fez e promovia para tantos que o endeusavam. Cumprindo pena por vários crimes em Bangu I, Mariano, que hoje está com 26 anos de idade, ainda terá que cumprir 27 anos, dois meses e 29 dias de reclusão, distante do mundo em que tudo o levava a achar que seria seu e de seu comando. Sua soberba parece que se perdeu pelo caminho, sem mais ter a liberdade de demonstrá-la, pois a única plateia que ainda existe é a dos colegas de cela e de seus irmãos que semanalmente vão visitá-lo.
  


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