por
Carlos Delano Rebouças
Estou eu aqui sobre essa
folha de papel, deitado, bem afinado, sem inspirações para tornar essa folha em
branco escrita à espera de uma leitura interessada. Ninguém, na verdade, esboça
me segurar; nem mesmo os menos inspirados.
Sou eu - de miolo escuro,
negro e pontiagudo - sedento para girar sobre essa folha de papel; para
percorrer suas linhas como se o sangue de quem nos segura escorresse de sua
alma, passando pelo seu coração, braços, mão e dedos, que me seguram,
conduzindo-me conforme o seu desejo de externar tudo que sente e pensa.
Por que, meu Deus, não surge
alguém nessa sala para se sentar a esta mesa que nos acomoda em sua superfície,
usando-nos, mesmo que com o tempo nos tornemos pequenos, insignificantes e
descartáveis? Ouvem-se as lamentações do improdutivo lápis!
Como pode um lápis lamentar
a falta de seu uso, diante do ávido desejo de um apontador que se avizinha para
destruí-lo em segundos, em giros impiedosos?
Às vezes, precisamos aceitar
a nossa condição e a nossa missão existência. Assim penso e acredito como um humilde
lápis. E digo: uma folha de papel em branco só existe para que nela seja
escrito o que se pensa e se acredita sobre alguma coisa, na certeza de quem
alguém, um dia, irá lê-la. Escrito nenhum é feito para que seja arquivado eternamente.
Sempre existirá a expectativa de sua leitura, de sua apreciação, mesmo que para
que isso alguém tenha que me usar, abusando de todos os meus recursos, a fim de
dar cor e forma aos seus pensamentos, externando o que há de mais escondido
dentro de si.
Diante dessa reflexiva compreensão,
reforço dizendo que na vida nem sempre precisamos ser aquela poderosa
locomotiva que puxa os seus vários diversos vagões, ou mesmo, aquele imenso e temido
jacaré, que um dia desejou se tornar o pequeno lagarto do semiárido nordestino,
para que não reconheçamos o nosso valor e a nossa importância no mundo.
Afirmo também, como um
humilde lápis, que jamais serei uma esferográfica de cor e brilho admiráveis.
Disso eu tenho plena certeza, porém, de uma coisa não podemos duvidar: que uma
locomotiva jamais existira sem que existam vagões para puxar; que um pequeno
lagarto do semiárido dá a sua parcela de contribuição para o equilíbrio do
ecossistema da mesma forma que um jacaré em seu habitat natural; e que um lápis
continua sendo a preferência de muitos escritores e a inspiração para muitas
esferográficas, mesmo estando eu, solitário, deitado sobre o papel em branco numa
escrivaninha.
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