quinta-feira, 10 de novembro de 2016

LAMENTAÇÕES DE UM LÁPIS


por Carlos Delano Rebouças

Estou eu aqui sobre essa folha de papel, deitado, bem afinado, sem inspirações para tornar essa folha em branco escrita à espera de uma leitura interessada. Ninguém, na verdade, esboça me segurar; nem mesmo os menos inspirados.

Sou eu - de miolo escuro, negro e pontiagudo - sedento para girar sobre essa folha de papel; para percorrer suas linhas como se o sangue de quem nos segura escorresse de sua alma, passando pelo seu coração, braços, mão e dedos, que me seguram, conduzindo-me conforme o seu desejo de externar tudo que sente e pensa.

Por que, meu Deus, não surge alguém nessa sala para se sentar a esta mesa que nos acomoda em sua superfície, usando-nos, mesmo que com o tempo nos tornemos pequenos, insignificantes e descartáveis? Ouvem-se as lamentações do improdutivo lápis!
Como pode um lápis lamentar a falta de seu uso, diante do ávido desejo de um apontador que se avizinha para destruí-lo em segundos, em giros impiedosos?

Às vezes, precisamos aceitar a nossa condição e a nossa missão existência. Assim penso e acredito como um humilde lápis. E digo: uma folha de papel em branco só existe para que nela seja escrito o que se pensa e se acredita sobre alguma coisa, na certeza de quem alguém, um dia, irá lê-la. Escrito nenhum é feito para que seja arquivado eternamente. Sempre existirá a expectativa de sua leitura, de sua apreciação, mesmo que para que isso alguém tenha que me usar, abusando de todos os meus recursos, a fim de dar cor e forma aos seus pensamentos, externando o que há de mais escondido dentro de si.

Diante dessa reflexiva compreensão, reforço dizendo que na vida nem sempre precisamos ser aquela poderosa locomotiva que puxa os seus vários diversos vagões, ou mesmo, aquele imenso e temido jacaré, que um dia desejou se tornar o pequeno lagarto do semiárido nordestino, para que não reconheçamos o nosso valor e a nossa importância no mundo.

Afirmo também, como um humilde lápis, que jamais serei uma esferográfica de cor e brilho admiráveis. Disso eu tenho plena certeza, porém, de uma coisa não podemos duvidar: que uma locomotiva jamais existira sem que existam vagões para puxar; que um pequeno lagarto do semiárido dá a sua parcela de contribuição para o equilíbrio do ecossistema da mesma forma que um jacaré em seu habitat natural; e que um lápis continua sendo a preferência de muitos escritores e a inspiração para muitas esferográficas, mesmo estando eu, solitário, deitado sobre o papel em branco numa escrivaninha. 

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