Luís Fernando Veríssimo
Coitado de quem, no futuro, tentar entender o que se passava no Brasil,
hoje. A perspectiva histórica não ajudará, só complicará mais. Havia
uma presidente — Vilma, Dilma, qualquer coisa assim — eleita e reeleita
democraticamente por um partido de esquerda, mas criticada pelo seu
próprio partido por adotar, no seu segundo mandato, uma política
econômica neoliberal, que deveria agradar à oposição neoliberal, que, no
entanto, tentava derrubar a presidente — em parte pela sua política
econômica!
Os historiadores do futuro serão justificados se desconfiarem de uma
conspiração por trás da contradição. Vilma ou Dilma teria optado por uma
política econômica contrária a todos os seus princípios para que
provocasse uma revolta popular e levasse a uma ditadura de esquerda,
liderada pelo seu mentor político, um tal de Gugu, Lulu, Lula, por aí.
Como já saberá todo mundo no ano de 2050, políticas econômicas
neoliberais só aumentam a desigualdade e levam ao desastre. Vilma ou
Dilma teria encarregado seu ministro da Fazenda Joaquim (ou Manoel)
Levis de causar um levante social o mais rápido possível, para apressar o
desastre. Fariam parte da conspiração duas grandes personalidades
nacionais, Eduardo Fuinha e Renan Baleeiro, ou coisas parecidas, com
irretocáveis credenciais de esquerda, que teriam voluntariamente se
sacrificado, tornando-se antipáticos e reacionários para criar na
população um sentimento de nojo da política e dos políticos e também
contribuir para a revolta.
Outra personalidade que disfarçaria sua candura e simpatia para revoltar a população seria o ministro do Supremo Gilmar Mentes.
Uma particularidade do Brasil que certamente intrigará os historiadores
futuros será a aparente existência no país — inédita em todo o mundo —
de dois sistemas de pesos e medidas. O cidadão poderia escolher um
sistema como se escolhe uma água mineral, com gás ou sem gás. No caso,
pesos e medidas que valiam para todo mundo, até o PSDB, ou pesos e
medidas que só valiam para o PT.
Outra dificuldade para brasilianistas que virão será como diferenciar
os escândalos de corrupção, que eram tantos. Por que haveria escândalos
que davam manchetes e escândalos que só saíam nas páginas internas dos
jornais, quando saíam? Escândalos que acabavam em cadeia ou escândalos
que acabavam na gaveta de um procurador camarada?
Mas o maior mistério de todos para quem nos estudar de longe será o
ódio. Nossa reputação de povo amável talvez sobreviva até 2050. Então,
como explicar o ódio destes dias?
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