por
Carlos Delano Rebouças
Certa vez, passando pelo
centro de Fortaleza, parando para tomar um cafezinho, sentando em um
banquinho, aproximou-se de mim um rapaz com um único pedido: “O senhor poderia
pagar para mim um café”?
Olhando aquele rapaz sujo,
de chinelas com alças amarradas com um arame, barba por fazer, muito menos de
cheiro agradável, condições suficientes para qualquer pessoa afugentá-lo,
achando se tratar de algum delinquente que costuma frequentar as ruas das
grandes cidades, sem pestanejar disse ao moço que atendia a diversos outros
clientes no local: “Sirva um café e um pão com queijo ao rapaz, que eu pago”.
Enquanto fazia minha
refeição matinal, como já era habitual há 10 anos, puxei uma conversa com
aquele rapaz que permanecia calado desde o fim de seu pedido. Perguntei-lhe,
primeiramente, seu nome, e, em seguida, algumas outras, bem mais para deixá-lo
mais à vontade, já que muitos que ali estavam quando chegou, rapidamente
saíram, até comendo e bebendo seu café numa rápida caminhada. São atitudes até
aceitáveis, diante de tanta violência existente no mundo, em que a aparência
ainda significa um fator de avaliação na sociedade.
Raimundo foi o nome que me
apresentou. Porém, segundo aquele homem de cerca de 40 anos de idade, negro,
franzino, e de olhar sofrido, era muito mais conhecido como Mundico. Depois que
nos apresentamos, perguntei-lhe onde morava e sem demora respondeu: “aqui”.
Sua resposta não me causou
espanto, já que a rua é a morada de muita gente que por alguma razão busca nela
o seu refúgio, o seu único caminho para fugir de alguém ou de alguma situação
que lhe tirou a paz, que significou uma decepção. Assim, foi para Mundico.
Mundico era um homem de vida
normal, trabalhador e de família constituída. Casado e pai de dois filhos,
abandonou tudo para desbravar um mundo em busca de resposta para a decepção que
sofrera. Nem todo mundo reage bem a uma traição. Assim aconteceu com Mundico, e
ali, enquanto seu café estava sendo preparado, conhecia um pouco de sua triste
história.
Ao aviso do Luzardo, dono
daquele carrinho de lanche de nossos lanches matinais, que seu lanche estava
pronto, Mundico rapidamente se ergueu, esticando as mãos para pegar aquele que
poderia ser a sua única refeição do dia, pois não podia me esquecer de que
havia me dito que sua expectativa sempre era a da chegada da noite, que trazia
à praça que ficava nas proximidades de onde estávamos bondosas pessoas com suas
sopas e canjas, em atos de solidariedade e humanidade que ainda fazem a
diferença na humanidade. Como é bom saber que sempre existe alguém a se
sensibilizar com o sofrimento alheio.
Ao receber das mãos de
Luzardo seu lanche, rapidamente ia saindo, quando lhe perguntei: “Por que não
faz sua refeição aqui, Mundico”?
Na mesma velocidade, respondeu-me:
“Vou dividir com minha família, posso”?
Diante de sua resposta, já
refletindo sobre o seu humilde pedido, como se não permitisse que dividisse com
alguém, mas confuso por dizer que desejava dividir com sua família, que até
pouco tempo havia me dito ter abandoná-la, perguntei-lhe curiosamente: Família,
amigo? Não tinha me dito que tinha deixado para trás?
Ele me respondeu: “Uma nova
família já tenho; esta chegou pronta, pois minha nova companheira a conheci na
rua, abandonada pelo marido com dois filhos pequenos. Hoje, somos felizes e
tudo que consigo na rua levo para o nosso cantinho, debaixo de uma marquise de
uma loja abandonada, para dividirmos. É lá que vivemos há uns dois anos”.
Fiquei feliz por ouvi aquele
relato de Mundico e sua tentativa de ser feliz ao lado de uma nova pessoa.
Fiquei feliz também em ver aquele homem fazendo a função de pai que não pôde
com seus filhos biológicos. Mais feliz ainda fiquei por lhe ter dado a
oportunidade de levar mais três lanches para casa e feito mais um amigo.
Daquela data em diante,
todas as vezes que passava no centro da cidade de Fortaleza e me encontrava com
Mundico, conversávamos um pouquinho como bons amigos, bem como me aumentava a
certeza de que o preconceito pode nos privar de muita coisa edificante na vida,
inclusive, de conhecer pessoas maravilhosas como Mundico.