terça-feira, 30 de maio de 2017

APENAS O BANCO DE UMA PRAÇA


Autor: Carlos Delano Rebouças

Ninguém pode se atrever a dizer que é seu dono. É somente um de vários bancos daquela antiga e nostálgica praça do meu bairro, que mais parece ser único, sem mesmo precisar de outros adjetivos, embora não me prive de dizê-los, naturalmente, de tão disputado que o é.

Não é porque está bem debaixo de uma grandiosa sombra de uma mangueira, daquelas que qualquer vivente, como dizia meu avô, sem demora a torna sempre desejosa para uma sesta ou para uma boa leitura de um livro, que não vamos reconhecer seus outros mais atrativos. Antes da existência dessa sombra que a domina durante todo dia, esse banco já existia e já atraía seus apreciadores, mesmo com o sol escaldante em suas moleiras. Todos sempre o enxergaram não somente como o banco da praça, como tantos outros que lá existiam, mas como aquele que parecia ser seu, unicamente, até que tivesse de seguir seu caminho e viesse outro a ter a mesma sensação.

Lá, amigos se encontravam e punham as conversas em dia. Quando o primeiro se sentava no banco, mesmo que tivesse espaço para mais dois, ninguém se atrevia a solicitar seus espaços. Parecia o trono de um rei que o ocupou, primeiramente, naquela vez, tornando-o indivisível, a conversar com seus súditos em sua volta, em falas e risos no conto de seus causos.

Em meio às diversas conversas, dos mais diferentes grupos de amigos, de diferentes idades e em diferentes horários do dia, sempre havia momentos, embora raros, de se ver aquele banco vazio e solitário, sem ninguém a se sentar nele. Parecia que não existiam motivos e razões para querer-lhe como um descanso, como um fugaz momento, mesmo que fosse para uma reflexão. Havia momentos, sim, que o velho banco parecia que não existia.

Certa vez, um velho homem que passava pela praça viu-o vazio, sem ninguém a demonstrar interesse algum de descansar sobre ele, e vejam que a praça estava repleta de moradores do bairro, aproveitando aquela tarde de sábado, brincado e caminhando numa tranquilidade que parece cada vez mais rara de se ver nas grandes cidades. Logo se sentou, em seguida, deitou-se, e por lá ficou, adormecido por longas e longas horas. Sem muita demora, a noite chegou, e aquele velho homem ali continuava dormindo como se estivesse na mais confortável das camas, sem ninguém a importuná-lo. E assim ficou até que a praça se esvaziasse por completo, invadindo a madrugada.

Na manhã seguinte, acorda o velho homem diante do raiar de um belo dia ensolarado, despertado pelo canto dos sanhaçus que tinham aquela velha praça como uma morada. Na mesma rapidez de seu despertar, sem tempo nem mesmo para se espreguiçar, percebe a aproximação de um jovem rapaz, de pouco mais de 20 nos, que sem mesmo desejar-lhe um bom-dia, pergunta:

- Quem é o senhor? O que o trouxe aqui para a nossa praça?

Respondeu o velho homem:

- Meu jovem, bom dia! Primeiramente, como se chama?

Respondeu o garoto:

- Ulisses. Assim me chamam aqui no bairro.

Continuou Ulisses:

- Sou morador de rua e resido nesse bairro desde que fui abandonado por alguém que se dizia minha mãe, justamente nesse banco em que o senhor está desde ontem. Mas, deixando a minha vida à parte, responda-me quem é mesmo o senhor? Porque escolheu ficar nesse banco desde ontem, com a sua chegada? Todos se perguntam no bairro, sabia?.

Depois de ouvir o garoto, o velho lhe pediu permissão para contar uma breve estória antes de responder às suas perguntas, tendo de imediato o seu consentimento.

- Meu jovem Ulisses, há 19 anos ando de praça em praça dessa cidade em busca de me reencontrar com um passado que mudou a minha vida. Em uma delas, minha esposa, hoje falecida, estava sentada em um banco quando se aproximou uma pessoa, mostrando-se atenciosa e prestativa, e pediu para segurar o nosso filho. Minha esposa, cansada e faminta, aceitou a sua ajuda. Rapidamente adormeceu no banco, porém, quando acordou assustada, sem o nosso filho em seu colo, percebeu que aquela pessoa havia roubado o nosso único filho, que até hoje procuro e que hei de encontrá-lo um dia.

Continuou:

- Minha esposa foi vítima da imagem sempre perfeita do homem o qual nossa ingenuidade permitia, infelizmente, construir.

Ouvindo tudo aquilo, com os olhos marejados, o curioso garoto lhe disse:

- posso lhe contar também uma breve estória, antes que o senhor siga o seu caminho?

O velho homem respondeu que sim.

- Senhor, nesse mesmo banco que escolheu para se sentar e descansar dessa árdua busca pelo seu filho também tem serve de pano de fundo para uma importante passagem da minha vida. Nele, fui abandonado por uma pessoa que se dizia minha mãe; que dizia ter me posto no mundo e que meu pai tinha nos abandonado. Tinha apenas sete anos, mas lembro-me, perfeitamente, de uma conversa que ela teve com uma pessoa nesta mesma praça. Sem que me percebesse por perto, disse que não era seu filho; que tinha me roubado de minha mãe verdadeira mãe; e que queria somente para me usar para pedir esmolas para saciar seus vícios. Usou-me por muitos anos, até que, ficando maiorzinho e não mais despertando o sentimento de pena de motoristas nos sinais, abandonou-me nesse mesmo banco e sumiu no mundo. Depois disso, venho vivendo nesse bairro, tendo essa praça como minha casa e seus frequentadores como minha família.

Ouvindo tudo aquilo, o velho homem começava a acreditar que sua incansável luta em busca de seu filho parecia chegar ao fim. Tratava-se de muitas coincidências envolvidas entre as duas estórias que se cruzavam, que não mais deixava dúvidas que ali, à sua frente, estava o seu filho.

O velho homem, chamado Orestes, disse-lhe, aos prantos:

- Sua trajetória de vida tem muito a ver com a minha. Teria interesse de fazer um exame de DNA para sabermos se somos pai e filho?

Respondeu o garoto:

- Para mim, não há necessidade.

Sem perder tempo, abraçaram-se sob olhares e aplausos de curiosos que ouviram toda a conversa dos dois, uniram suas mãos e seguiram por um único caminho, deixando para trás, ecoando baixinho, a fala de seu Orestes:

- Vamos, meu filho, para casa! Lá é seu lugar. Nossa vida começa agora.

Depois de alguns meses, Ulisses reapareceu no bairro. Sentou-se naquele banco tão disputado da praça e, rodeado dos antigos amigos, disse-lhes:


- Orestes era mesmo o meu pai de verdade. Fizemos o exame de DNA e o resultado foi positivo. Passei a ter irmãos, uma nova mãe e um grande pai. Hoje sou feliz por ter sido encontrado e por poder contar uma nova história da minha vida. Agradeço a todos por sempre me acolherem por aqui e a Deus por permitir que esse banco se tornasse tão marcante na minha vida.

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