quarta-feira, 5 de abril de 2017

SALVO POR UMA LEITURA


"Cresci ouvindo de meu pai que devemos estudar e que este é o único caminho para o sucesso na vida. Assim sempre quis acreditar."

Palavras de Luizinho – menino pobre e sofrido, filho de nordestinos da periferia de São Paulo – enquanto folheava no colchão sujo e úmido, devido às tantas goteiras no barraco que divide com mais seis irmãos, seus pais e seu cãozinho Bolinha, um livro encontrado nas ruas daquela megametrópole, na sua caça pela sobrevivência.

Luizinho não descobrira a leitura. Somente matava as saudades do tempo de escola, abandonada por força das circunstâncias. Tinha que ajudar seus pais a sustentar seus irmãos mais novos, apesar de seus 12 anos. Aquela leitura parecia envolvê-lo num mundo desconhecido, perdido e deixado num passado não tão distante. Imaginava ser aquele garoto que se tornava um grande médico, salvador de vidas e descobridor de fórmulas importantíssimas para erradicação de tantas doenças.

Nem sempre nossas viagens são agradáveis, mas esta de Luizinho parecia ser, até escutar o grito forte de sua mãe: "corra, Luizinho, que seu irmão precisa de ajuda!"

Não precisou correr tanto; bastou virar-se de lado para perceber que seu irmão caçula, com quem dividia seu colchão úmido, sujo e repleto de ácaros, estava engasgado com algum objeto indefinível no momento, já que o nervosismo geral não permitia identificar.

Aquele garoto já estava ficando roxo, perdendo a respiração e a voz do socorro. Seu olhar já se perdia pelas vias obscuras da morte, sob os olhares do desespero de uma mãe e da impotência de um irmão que fisicamente estava muito perto, mas muito distante, viajando num sonho que a leitura o permitia.

De repente, Luizinho num ato impensado e bem mais de desespero, resolve bater em suas costas. Fortes e suficientes para aquele objeto ser expulso pela boca, com ar de alívio. Logo voltaram a respiração e a sua tonalidade normal de pele, acompanhados do suspiro forte de sua mão, com uma intensa respiração, puxada do ponto mais profundo de seus pulmões e da alma. Ah, meu filho teve esse livramento!

Mas o que engasgara aquele pobre menino? Que objeto engoliu, que o levou à fronteira entre a vida e a morte? Luizinho e sua mãe se perguntavam, enquanto catavam-no pelo chão sujo, empoeirado daquele barraco que serviu de cenário do pavor, diante do silêncio do menino que ainda buscava recuperar os sentidos.

Uma tampa de caneta. Seu pequenino irmão simplesmente engoliu a tampa de uma esferográfica que encontrara no lixão da esquina, levando-a para casa, a fim de exercitar a escrita que tanto desejava dominar. Desejo este, que num momento de distração, levou-o a colocar a tampa desta bendita caneta em sua boca.

Passado o sufoco e feitas as devidas orientações, partido principalmente de sua sofrida mãe, Luizinho aproximou-se do irmão, dizendo: “Que bom que deu certo e consegui expelir o objeto. Que bom que encontrei um livro que me fez viajar no sonho de ser um médico, salvador de vidas e descobridor de fórmulas para curar doenças. Bom também saber que ajudei a salvar a sua, na certeza de que a leitura também salva vidas pelo conhecimento e sabedoria, que levam à evolução humana. Foi isso que nos salvou."

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